O Dia Internacional do Resíduo Zero (30/3/2025), promovido em conjunto pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), recentemente realçou a necessidade imperativa de reforçar a gestão de resíduos em todo o mundo e de promover padrões de consumo e produção sustentáveis, de modo a enfrentar a crise da poluição por resíduos.
Anualmente, a humanidade gera entre 2,1 e 2,3 bilhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos. Sem medidas urgentes, a geração anual de resíduos atingirá 3,8 bilhões de toneladas até 2050, ou seja, estaremos diante de uma verdadeira tragédia dos comuns.
E esta poluição por resíduos representa uma séria ameaça para a saúde humana, representando um custo para a economia global que se estima em centenas de bilhões de dólares por ano. Este nefasto fenômeno contribui para o agravamento da tríplice crise planetária: 1. aquecimento global; 2. poluição em geral; e, 3. perda da biodiversidade.
O tema do Dia Internacional do Resíduo Zero deste ano, aliás, foi atualíssimo, Rumo ao Desperdício Zero na Moda e nos Têxteis, focado na necessidade premente de implementar medidas que visem reduzir o impacto dos resíduos destes setores, promovendo simultaneamente a sustentabilidade e a circularidade.
No período compreendido entre 2000 e 2015, a produção de vestuário registou um aumento exponencial, com um crescimento de 100% em comparação com o período anterior. Todavia, estima-se que 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis sejam gerados anualmente em todo o mundo. Esta quantidade é equivalente a um caminhão de roupas a ser incinerado ou a ser enviado para aterros sanitários a cada segundo. Este cenário é impulsionado pelo rápido aumento da produção e do consumo no setor têxtil, resultando em graves problemas ambientais, econômicos e sociais, notadamente no chamado Sul Global.
A implementação de soluções upstream e uma abordagem de desperdício zero são imperativas para enfrentar a crise de poluição de resíduos e, simultaneamente, para gerar valor econômico. A concretização do desperdício zero requer contribuições ativas por parte dos governos, do setor e dos consumidores.
Os governos, as empresas e os indivíduos devem adotar o desperdício zero para superar a crise da poluição por resíduos. Os governos, a sociedade civil, as empresas, as universidades, as comunidades, as mulheres e os jovens, de acordo com o Pnuma e o UN-Habitat, devem participar das iniciativas nacionais, subnacionais, regionais e locais de desperdício zero. [1]
Neste cenário, foi sancionada, em boa hora, pelo presidente Lula, a Lei 15.088/2024 que proíbe a importação de resíduos sólidos e rejeitos e deve impulsionar a reciclagem interna no Brasil. A nova lei é de suma importância, pois o país gera cerca de 90 milhões de toneladas de resíduos em geral por ano, mas recicla apenas 8%, de acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).
Tal índice, além de preocupante, reflete a falta de infraestrutura adequada, processos de reciclagem ineficientes e a escassez de material reciclável de qualidade. Apesar disso, a importação de resíduos tem sido uma prática comum no Brasil, em parte devido à disponibilidade e qualidade superiores dos materiais vindos de fora, muitas vezes adquiridos a preços mais competitivos.
Agora, vivemos um novo momento, em que a proibição da importação impõe uma nova realidade que exige uma reformulação urgente na gestão de resíduos sólidos no país. Na prática, há anos o Brasil recicla uma quantidade de resíduos muito pequena em comparação ao que se gera, reflexo da falta de capacidade para coletar, processar e reintegrar os resíduos ao ciclo produtivo de forma eficiente, além dos altos custos envolvidos na coleta e no processamento dos resíduos locais. Esse cenário contribuía para uma dependência das importações, em detrimento de uma solução interna mais eficiente e sustentável.
Para superar esses desafios, é crucial investir na gestão de resíduos sólidos como um todo. A infraestrutura de coleta seletiva, por exemplo, ainda é incipiente, e o modelo atual precisa ser ampliado para cobrir mais regiões e atingir uma parcela cada vez maior da população. Além disso, a educação ambiental desempenha um papel fundamental nesse processo, uma vez que conscientizar a sociedade sobre a importância da separação correta dos resíduos é um passo essencial para o sucesso de qualquer política pública relacionada à reciclagem.
Ao mesmo tempo, é preciso garantir que as cooperativas de catadores, que desempenham um papel fundamental na triagem e no encaminhamento dos resíduos recicláveis, tenham o suporte necessário para atuar de maneira mais eficiente e com condições adequadas de trabalho.
O governo federal defende que a proibição da importação de resíduos ajudará a fortalecer a reciclagem nacional, criando um incentivo para o setor privado, bem como estimulando as iniciativas públicas a investirem mais na reciclagem doméstica. Para que isso seja possível, no entanto, será necessário mais do que uma simples proibição.
É preciso que haja uma regulamentação clara, que defina quais são as metas, os processos e os incentivos necessários para transformar a reciclagem em um setor mais robusto. A implementação de incentivos fiscais, o apoio às indústrias que adotam práticas de economia circular e investimentos em novas tecnologias que possam tornar a reciclagem mais eficiente são medidas essenciais para garantir o sucesso dessa iniciativa.
Outro aspecto fundamental é que a medida pode resultar na criação de milhares de empregos, especialmente no setor de gestão de resíduos e na indústria de reciclagem, além de reduzir os impactos ambientais causados pelo excesso de resíduos. Já existem diversas empresas que estão à frente do processo de transformação dos resíduos em novos produtos, como o reaproveitamento de plásticos para a produção de peças automotivas e o uso de resíduos eletrônicos para a fabricação de novos dispositivos. Essas inovações não só reduzem a dependência de recursos naturais, mas também criam um ciclo econômico mais sustentável.
A Lei 15.088/2024 representa um avanço significativo na política ambiental brasileira e tem o potencial de transformar o país em um líder global em economia circular, mas seu sucesso dependerá de ações coordenadas e de uma implementação eficiente, com o envolvimento de todos os setores: público, privado e sociedade civil. A responsabilidade compartilhada entre os diferentes atores é essencial para garantir que a reciclagem no Brasil possa atingir patamares maiores, de forma a reduzir o uso de recursos naturais e privilegiar a circularidade.
Fonte: https://www.conjur.com.br//2025-abr-05/nova-legislacao-impulsiona-a-reciclagem-no-brasil/